Linhagem de Mestras

Larissa Lira

Graduada em Filosofia (UEPB), Pós-graduada em Design de Moda (SENAI Cetiqt-Rj), mestre e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências das Religiões – PPGCR (UFPB). Integrante do Raízes: grupo de pesquisa sobre religiões mediúnicas e suas interlocuções, vinculado ao PPGCR. Orientada por Dra. Dilaine Soares Sampaio. Membro da equipe editorial da Revista Religare. http://lattes.cnpq.br/6302744951679133 (larissalira1306@gmail.com).

Apresentação: Tem uma “linha” que canta e diz: “A jurema tem, a jurema dá, mestre bom pra trabalhar”. Segundo Mário de Andrade (2006, p. 113) toda melodia se chama linha. Em Câmara Cascudo (1978, p. 175) a linha é o canto entoado pelo mestre e continuado através de sua boca, pelo mestre invisível. As linhas, ou também “pontos”, são as cantigas anunciatórias, parte importante da liturgia catimbozeira-juremeira, pois é através da entoação desses cânticos que os mestres são “abalados” e convidados a estarem em terra para realizarem os seus trabalhos. Atento que, a Jurema vai dando inspiração para pensar características que envolvem a dinâmica do vestir, afinal, sem linhas não há costuras e com a costura temos as roupas. Em meio às linhas, vamos encontrar também as “linhagens”, entende-se, o agrupamento e variedade de seres espirituais, entidades que compõem o panteão do Catimbó-Jurema. Outra linhagem importa à reflexão, as costureiras. A costura é um lugar que qualquer um/uma não entra e não senta, é um lugar de mestria, onde é preciso dedicação, amor à arte, inspiração, criatividade e habilidade nas mãos para a manipulação de tecidos, para fazer cortes e produzir peças. O fio que atravessa essa tessitura trás a dimensão de uma potente política de vida que faz a vida de muita gente. As roupas dão de comer e vestir as costureiras/os que se dedicam ao ofício de produzir encantos e as muitas famílias que (sobre)vivem do trabalho para as encantadas/os. Trabalhando para o sagrado, sacralizam os seus cotidianos, inscrevem a vida enquanto possibilidade criativa e de quebra ao desencanto (SIMAS; RUFINO, 2019, p.74). A roupa é o instrumento que identifica e personifica a entidade, comunica suas predileções, o corpo é o suporte e veículo que permite a elas continuarem trabalhando, dançando, cantando, conversando, existindo e festejando a vida que não morreu. A força do fazer estético forma uma resistente rede que se fortalece no criar e no cerzir, na fé e no existir. As vozes-retalhos (interlocutores/as) da etnografia auxiliam na compreensão do sistema de produção que envolve o valor sagrado e mercadológico bem como as estratégias de criação, demandas, processos de produção e consumo. Elainy Paulo dos Santos, 45 anos, trabalha como costureira desde os dezessete, e há quatro anos tem produzido as roupas da Mestra Paulina, que em 2022 celebrou 30 anos junto a Fabrício Souza Medeiros, corpo masculino que traja uma modelagem feminina para dar vida a Mestra Paulina. Numa tríade entre costureira-entidade-juremeiro se dar a encomenda e entrega da roupa com cores e modelos que dão preferência aos gostos da entidade. Na análise dos trajes, adereços e objetos de uso ritual vamos encontrando peças-chaves que podem contribuir sobremaneira no entendimento do complexo religioso juremeiro e nas lacunas sobre os estudos da cultura material, uma vez que essas dimensões ainda não receberam o tratamento devido na bibliografia afro-indígena brasileira.

Ano de produção: 2022

Ficha técnica: Fotografias e edição Larissa Lira.

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