Artesanatos etnográficos possíveis: Marujada vai à lua

Ester Paixão Corrêa

Mestra e doutoranda em Antropologia Social. Atualmente vinculada ao PPGAS/UFRN. Pesquisadora, artista, artesã, fotógrafa e escritora amazônida, integra grupos de pesquisa (GATA/UFPA; GCS/UFRN; GUETU/UFPB) e coletivo de arte (Coletiva Feminart). Pesquisa sobre Gênero, Mulheres, Fronteiras, Viagens, Cultura popular e Relações étnico-raciais. Interesso-me especialmente pela perspectiva da Antropologia Feminista, da Antropologia Visual e do Pensamento des/decolonial.

Apresentação: O que acontece com nossos arquivos, acervos fotográficos, diários de campo, e outros dados que trazemos do campo, quando finalizamos uma dissertação ou tese? Para onde vão todas as informações das quais tivemos que recortar apensas uma parte para incluir no texto antropológico final? Essa é uma questão que me vem à tona todas as vezes que visito meu material de campo, colhidos durante esses anos de pesquisa. Como produto de anos de pesquisa com a Marujada, produzi um Trabalho de Conclusão de Curso, uma dissertação de mestrado, publiquei três ensaios visuais, dentre outras produções, e ainda tenho vários gigabytes de fotografias e de outros dados. Revisitar esse material, ainda me desperta questões, assuntos e temas sobre os quais gostaria de escrever ou mostrar. Isso por sua vez, sempre me traz uma questão principal: o que fazer com tudo isso? Com todo esse material intelectual produzido pela pesquisadora e que ainda tem muito a dizer? O trabalho de campo antropológico gera um material, um “reservatório heterogêneo de material cru que o artesão intelectual molda” em seu trabalho, como considerou Mills (2009), estes dão acesso aos bastidores dos processos criativos de uma pesquisadora, pois são mais que instrumentos para a produção intelectual, é a própria produção intelectual. O trabalho antropológico é construído por meio de um artesanato intelectual (Mills 2009; Ingold 2015). Ingold (2015) considera que todo esse material, imagem e escrita, anotadas em cadernos de campo/pesquisa, em arquivos fotográficos, em vídeos, dão conta do relato da experiência etnográfica e pessoal, que fazem parte desse artesanato intelectual, que, como ainda argumentou Mills (2009), é tão importante como fonte para a construção de um trabalho antropológico honesto. Nosso percurso intelectual se constrói por meio dos processos criativos dos quais o trabalho antropológico é formado. O que faz o antropólogo se não inventar mundos? Pela perspectiva da invenção da cultura (Wagner 2010), a narrativa que criamos para apreender determinada realidade cultural, assim como a própria noção de cultura, é inventada. Nesse sentido, a invenção cultural se baseia na criatividade, na inventividade, se tornando uma espécie de artesanato. É possível inventar mundos através e por meio do artesanal, pensar, a partir das fotografias, as poéticas das transformações, como uma forma possível de representar na antropologia, inventar mundos nos quais nos relacionamos com as/os sujeitas/os de pesquisa em diferentes camadas. Assim como Letícia Lampert (2020), que por meio da fotografia e da colagem digital, une lugares, cidades, misturando e adicionando camadas àquilo que não precisa estar congelado no tempo, afinal, toda fotografia é uma imagem “de um presente já passado”, este ensaio tem como objetivo representar um espaço poético possível da/para a Marujada de Bragança. Utilizando a técnica de colagem digital crio um mundo lunar (im)possível, dando vida a estas por meio da impressão em fotografia artesanal com a técnica da cianotipia. Percorro do digital ao analógico. Nesse fazer artesanal, misturar fotografias é criar mundos. O artesanal atravessa minhas experiências de vida de forma definitiva e profunda. Minha avó era uma artesã, minha mãe é uma artesã e sou a terceira geração de mulheres rurais artesãs. Essa metáfora subjetiva dos sentidos do artesanato na minha trajetória pessoal direciona o olhar inventivo para a trajetória intelectual e acrescenta a esta uma dimensão importante e várias camadas de possibilidade. Deixar uma marca na festa de São Benedito é uma dessas camadas.

Ano de produção: 2016-2022

Ficha técnica: Colagem digital com impressão artesanal por meio da cianotipia

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